Mudanças na Microbiota na Menopausa – Uma Revisão Focada no Microbioma Geniturinário

As alterações hormonais durante e após a menopausa afetam os microbiomas do intestino, da vagina e do trato urinário, impactando na saúde das mulheres.
A microbiota humana desempenha um papel fundamental na manutenção da saúde. Durante a menopausa, a diminuição dos níveis de estrogênio provoca mudanças significativas na microbiota do intestino, da vagina e do trato urinário. Embora muitos estudos tenham investigado os efeitos da microbiota intestinal e vaginal na saúde, a microbiota urinária ainda é pouco compreendida. No entanto, evidências sugerem que alterações induzidas por hormônios podem contribuir para diversas condições clínicas, como a síndrome geniturinária da menopausa (SGM), incontinência urinária, cistite intersticial e síndrome da bexiga dolorosa.
As mudanças dramáticas na saúde da mulher após a menopausa são bem conhecidas, e além delas, a menopausa altera também a microbiota intestinal, ou seja, a população de bacterias protetoras na vagina, uretra e intestino; o que tem vários efeitos na saúde da mulher.
No ciclo ovulatório, o estrogênio e a progesterona causam o espessamento do epitélio escamoso estratificado da vagina, a deposição de glicogênio (uma forma de armazenagem do açucar) e a imunidade local; portanto, esses hormônios têm efeitos fundamentais na composição do microbioma.
As alterações na microbiota devido às mudanças hormonais pós-menopausa são semelhantes à disbiose vaginal observada em doenças inflamatórias pélvicas, infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e infecção pelo papilomavírus humano (HPV), além da gravidez.

Alterações na Microbiota Intestinal
Um estudo comparou os microbiomas do intestino delgado em mulheres pós-menopáusicas que receberam terapia hormonal (n = 13), mulheres pós-menopáusicas que não receberam terapia hormonal (n = 12) e mulheres em idade reprodutiva (n = 10). Descobriram que os microbiomas duodenais diferiam entre aquelas que receberam terapia hormonal e aquelas que não receberam. Além disso, aquelas que receberam terapia hormonal tinham composições de microbioma semelhantes às do grupo pré-menopáusico. As que não receberam terapia hormonal apresentaram maior abundância de Proteobacteria, mas menor quantidade de Bacteroidetes e diversidade microbiana duodenal em comparação com aquelas que receberam terapia hormonal.
Adicionalmente, o grupo de terapia hormonal apresentou relativamente mais Prevotella e menos Escherichia e Klebsiella (principais bactérias causadoras de Infecção do Trato Urinário).
Assim, esses resultados sugeriram que as mudanças hormonais induzidas pela menopausa alteram significativamente o microbioma intestinal e que a terapia hormonal pode restaurá-lo até certo ponto.
Após a menopausa, a diversidade da microbiota intestinal sofre alterações, resultando em maior produção de ácidos graxos de cadeia curta e sulfeto de hidrogênio. Essas mudanças influenciam diretamente o metabolismo, a resposta inflamatória e a saúde óssea. O desequilíbrio da microbiota intestinal está associado a condições como resistência à insulina, osteoporose e doenças neurodegenerativas.
Outros estudos também demostraram que mulheres menopausadas apresentam aumento de Bilophila, um gênero bacteriano relacionado a processos inflamatórios e alteração da permeabilidade intestinal, além de elevação de Odoribacter, que tem papel ambíguo no metabolismo energético e inflamação.
O sulfeto de hidrogênio produzido por Bilophila spp. relaxa os músculos lisos do íleo e aumenta o suprimento sanguíneo da mucosa gastrointestinal. O aumento de Bilophila em mulheres na menopausa leva a uma maior produção de sulfeto de hidrogênio, induzindo inflamação local e danos à mucosa, aumento das concentrações sanguíneas de endotoxinas e reações inflamatórias em vários tipos de tecidos. A resposta inflamatória intracelular causada por fatores inflamatórios leva à resistência à insulina (também conhecida como pré-diabetes). Nos ossos, fatores inflamatórios (como fator de necrose tumoral, interleucina (IL-1 e IL-6) aumentam a função dos osteoclastos (células responsáveis por destruir osso), contribuindo para a osteopenia (perda óssea). Fatores inflamatórios no sangue periférico atravessam a barreira hematoencefálica e ativam a microglia no sistema nervoso central, resultando em inflamação nos neurônios e exacerbando a agregação e o acúmulo de emaranhados de fibras nervosas e proteína beta-amiloide, que contribuem para a doença de Alzheimer
No entanto, o aumento de Odoribacter em mulheres na menopausa resulta em níveis elevados de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), hidrogênio e sulfeto de hidrogênio. Os ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) aumentam a oxidação de ácidos graxos e o metabolismo energético, estão envolvidos na síntese de serotonina e estabilização de neurônios, e aumentam os níveis circulantes do fator de crescimento semelhante à insulina-1, que estimula a osteogênese. Assim, os aumentos de SCFAs relacionados a Odoribacter em mulheres na menopausa podem reduzir o risco de obesidade, hiperlipidemia, depressão e osteoporose. Em contraste, o aumento da produção de sulfeto de hidrogênio, também relacionado com o aumento do Odoribacter, leva a reações inflamatórias. Portanto, Odoribacter tem efeitos tanto positivos quanto adversos.

Mudanças na Microbiota Vaginal
A composição da microbiota vaginal é altamente dinâmica e é afetada pela idade, etnia, fatores fisiológicos e pelo sistema imunológico. Infecções vaginais, medicamentos, assim como estilo de vida e dieta, afetam a microbiota vaginal. O microbioma vaginal muda ao longo da vida de uma mulher, e essas mudanças têm um impacto importante na qualidade de vida.
Fase da vida | Microbioma predominante | pH vaginal |
---|---|---|
Nascimento | Bactérias anaeróbicas gram-positivas (Actinomyces, Bifidobacterium, Peptococcus, Peptostreptococcus, Propionibacterium) | Neutro ou alcalino |
Infância | Grande variedade de aeróbios e anaeróbios facultativos | Neutro ou alcalino |
Puberdade | Bactérias anaeróbicas gram-negativas (Bacteroides, Mycoplasma, Fusobacterium, Veillonella) | Ácido |
Período Reprodutivo | Predominância de Lactobacillus (L. crispatus, L. gasseri, L. iners, L. jensenii), além de Atopobium e Streptococcus spp. | Redução do pH local (<4.5) |
Gestação | Predominância de L. crispatus, L. gasseri, L. jensenii, L. iners; maior presença de anaeróbios, especialmente L. iners e L. crispatus (espécie mais estável durante a gestação) | Ácido |
Pós-parto | Predominância de Streptococcus anginosus, Prevotella bivia, L. iners | Ácido |
Menopausa | Microbioma menos diverso, com menor abundância de Lactobacillus spp. | Neutro ou alcalino |
A composição do microbioma vaginal é alterada após a menopausa, embora existam variações individuais. Geralmente, a microbiota vaginal inclui Gardnerella vaginalis, Ureaplasma urealyticum, Candida albicans e Prevotella spp., enquanto a prevalência de Lactobacillus diminui progressivamente. A redução das bactérias produtoras de ácido lático em mulheres menopausadas é uma mudança fisiológica esperada, e as alterações no microbioma vaginal em mulheres menopausadas podem prejudicar a saúde sexual, causando atrofia vulvovaginal e secura vaginal.
De acordo com um estudo que analisou as diferenças no microbioma vaginal em mulheres coreanas pré e pós-menopausa, as mulheres pós-menopáusicas tinham significativamente menos Lactobacillus e significativamente mais Prevotella, Lactobacillaceae não classificadas, Escherichia, Pseudomonas, Proteus, Finegoldia e Atopobium.
A microbiota vaginal depende fortemente dos níveis de estrogênio, que promovem o crescimento de Lactobacillus, responsáveis pela acidificação do ambiente vaginal e proteção contra patógenos. Com a redução do estrogênio após a menopausa, os níveis de Lactobacillus diminuem, enquanto o pH vaginal aumenta, criando um ambiente favorável ao crescimento de Gardnerella vaginalis, Prevotella spp., Escherichia coli e outros microorganismos oportunistas. Isso pode levar ao desenvolvimento da Síndrome Genitourinária da Menopausa (SGM), caracterizada por sintomas como secura vaginal, dor durante a relação sexual e infecções recorrentes.
Estudos demonstram que mulheres menopausadas apresentam maior prevalência de vaginoses bacterianas, embora sua frequência seja menor do que em mulheres em idade reprodutiva. Além disso, algumas pesquisas sugerem que a composição da microbiota vaginal na menopausa pode estar associada ao desenvolvimento de câncer endometrial, evidenciando a relevância da microbiota para a saúde ginecológica.
Alguns ensaios clínicos recentes administraram Lactobacillus a mulheres pós-menopáusicas. Ribeiro e colaboradores dividiram aleatoriamente 60 mulheres na menopausa em três grupos e forneceram diferentes intervenções: apenas isoflavona, isoflavona com probióticos (L. acidophilus, L. casei, Lactococcus lactis, Bifidobacterium bifidum* e Bifidobacterium lactis), e terapia hormonal (1 mg de estradiol e 0,5 mg de acetato de noretisterona). O pH vaginal e os níveis de Lactobacilli foram restaurados aos níveis pré-menopáusicos em pacientes que passaram pela terapia hormonal, embora nenhuma mudança significativa tenha sido observada nos outros grupos.
Em uma revisão sistemática de quatro ensaios clínicos investigando os efeitos da administração transdérmica de estrogênio no microbioma vaginal em mulheres pós-menopáusicas, descobriram que a administração tópica de estrogênio aumenta os níveis de Lactobacillus vaginal.
Em um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, quando cápsulas probióticas contendo L. rhamnosus GR-1 e L. reuteri RC-14 foram administradas diariamente por 14 dias, houve uma melhora significativa em comparação com o grupo placebo. Os resultados sugerem uma modalidade alternativa para restaurar a flora vaginal normal usando a administração oral de cepas específicas de Lactobacillus.

Alterações na Microbiota Urinária
A microbiota urinária ainda é um campo pouco explorado, mas estudos recentes indicam que há mudanças substanciais após a menopausa. A diversidade da microbiota urinária aumenta, enquanto os níveis de Lactobacillus diminuem. O desequilíbrio dessa microbiota está associado a condições como incontinência urinária, cistite intersticial e infecções urinárias recorrentes.
Pesquisas mostram que mulheres menopausadas apresentam maior prevalência de Gardnerella, Prevotella, Finegoldia e outras bactérias anaeróbicas na urina. Essa alteração pode facilitar o desenvolvimento de infecções do trato urinário e piorar os sintomas da bexiga hiperativa. Além disso, estudos indicam que a microbiota urinária pode interagir diretamente com a microbiota vaginal, sugerindo que mudanças no ambiente vaginal influenciam as condições do trato urinário.
A terapia local com estrogênio altera o ambiente hormonal local da bexiga urinária e, assim, reduz Finegoldia magna na bexiga, diminuindo a incidência de infecções urinárias recorrentes em mulheres pós-menopáusicas.
Uma revisão sistemática relatou que todos os produtos comerciais de estrogênio vaginal são úteis para urgência urinária, frequência urinária, noctúria (necessidade de urinar a durante a noite, interrompendo o sono) e infecções recorrentes do trato urinário.
Síndrome Geniturinária da Menopausa (SGM)
A SGM é caracterizada por alterações estruturais e funcionais da vagina e do trato urinário devido à deficiência de estrogênio. Os sintomas incluem secura vaginal, dispareunia (dor na relação sexual), aumento do pH vaginal, urgência urinária, incontinência urinária e infecções urinárias frequentes.
Aproximadamente 50% das mulheres pós-menopáusicas relatam sintomas de SGM. Esses sintomas são tipicamente progressivos e improváveis de se resolverem espontaneamente.
Estudos sugerem que mulheres que mantêm uma microbiota vaginal dominada por Lactobacillus têm menor incidência de SGM. Por isso, estratégias como terapia hormonal e administração de probióticos podem ajudar a restaurar o equilíbrio da microbiota e aliviar os sintomas.

Conclusão
A menopausa provoca mudanças significativas na microbiota do intestino, da vagina e da urina. Essas alterações contribuem para diversas condições que afetam a qualidade de vida das mulheres, incluindo osteoporose, resistência à insulina, Síndrome Genitourinária da Menopausa (SGM) e doenças do trato urinário.

Aqui estão algumas estratégias baseadas em evidências científicas que podem contribuir para a saúde das mulheres, especialmente na menopausa:
1. Modulação da Microbiota por Alimentação e Suplementação
A nutrição desempenha um papel essencial no equilíbrio da microbiota intestinal, vaginal e urinária. Algumas estratégias incluem:
- Dieta rica em fibras e prebióticos (alimentos não digeríveis pelo corpo humano, mas sim pelas bacterias “boas”): Estimula a proliferação de bactérias benéficas, reduz inflamações e melhora a saúde metabólica.
- Consumo de probióticos específicos: Cepas como Lactobacillus rhamnosus GR-1 e Lactobacillus reuteri RC-14 podem auxiliar no equilíbrio da microbiota vaginal, reduzindo vaginoses bacterianas e inflamação.
- Ácidos graxos ômega-3: Com propriedades anti-inflamatórias, ajudam na manutenção da microbiota intestinal e na redução do risco de doenças cardiovasculares.
- Vitaminas e minerais essenciais: Como cálcio, vitamina D e magnésio, fundamentais para prevenir osteoporose, comum em mulheres menopausadas.
2. Estratégias para Saúde Óssea e Metabólica
A menopausa impacta a saúde óssea devido à queda do estrogênio. Algumas abordagens incluem:
- Exercícios de resistência e impacto: Treinamento de força e atividades como caminhada e dança ajudam a manter a densidade óssea.
- Monitoramento da saúde óssea: Densitometria óssea regular para identificar precocemente osteoporose.
- Reposição hormonal individualizada: Avaliada caso a caso, pode ser benéfica para mulheres que têm fatores de risco para perda óssea acelerada.
3. Manejo da Saúde Mental e Cognitiva
Alterações hormonais podem afetar o humor, a memória e a cognição. Algumas abordagens incluem:
- Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Pode ajudar na regulação emocional e redução de ansiedade e depressão.
- Práticas de relaxamento: Meditação, yoga e mindfulness são ferramentas eficazes contra o estresse e podem melhorar a qualidade do sono.
- Atividades que estimulam a cognição: Aprender novas habilidades, como idiomas ou música, pode preservar a função cerebral.

4. Saúde Urogenital e Prevenção de Infecções
Para melhorar a função urinária e reduzir infecções recorrentes:
- Uso de cremes vaginais com estrogênio: Pode ajudar a restaurar o epitélio vaginal, reduzindo secura e infecções urinárias.
- Monitoramento da microbiota urinária: Exames microbiológicos podem ajudar na identificação precoce de disbioses que contribuem para infecções urinárias frequentes.
- Treinamento do assoalho pélvico: Exercícios de Kegel fortalecem os músculos pélvicos e ajudam na prevenção da incontinência urinária.

5. Abordagens Personalizadas Baseadas na Microbiota
Pesquisas emergentes sugerem que analisar o microbioma de cada paciente pode levar a abordagens mais personalizadas na medicina preventiva e no tratamento de condições relacionadas à menopausa. A medicina de precisão, focada em ajustes alimentares, suplementação e terapias direcionadas, está se tornando cada vez mais relevante.
Bibliografia consultada:
Park, M.G.; Cho, S.; Oh, M.M. Menopausal Changes in the Microbiome—A Review Focused on the Genitourinary Microbiome. Diagnostics 2023, 13, 1193. https://doi.org/10.3390/diagnostics13061193