A Liberdade Possível é um livro do psiquiatra e psicanalista Flávio Gikovate que aborda várias definições não apenas de liberdade mas dos comportamentos e sentimentos que nos impedem de alcançar a tão sonhada liberdade; este livre tem 313 páginas de uma lietura muito agradável apesar de ser complexa, o que me propus nesse post é descrever suscintamente o que aprendi nesse livro e quais os pontos mais interessante e intrigantes dele.

A Liberdade possível – Flávio Gikovate

A primeira coisa a se deixar claro é que li a 4° edição revisada, publicada em 2014. O livro foi publicado em 2000 e revisado em 2006 anteriormente. Além disso, devo dizer que Flávio Gikovate era, sim, era, pois faleceu em 2019; um psiquiatra formado pela USP em 1966 e que trabalhava com psicoterapia breve.

Nas considerações iniciais concordo com todas essas “premissas”:

Sobre liberdade

Não sabemos muito bem o que significa ser livre, mas pressentimos que tal estado seja muito atraente.

A liberdade é antes de tudo, um estado de espírito, não pode, pois, ser confundida com nenhum tipo particular de comportamento objetivo.

Dessa forma, liberdade é uma sensação subjetiva de alegria derivada do fato de o indivíduo se sentir em razoável coerência interior, vivendo de uma maneira que acredita ser a mais adequada para ele. O estado de alegria íntima pode ser considerado orgulho de si mesmo, talvez a forma de manifestação mais consistente e respeitável de vaidade.

Mas vaidade não é uma coisa ruim?

O indivíduo que tentar se livrar da vaidade não terá sucesso. O que acontecerá é que ele a exercerá de forma mais genuína (quando for livre): terá orgulho de si mesmo, daquilo que efetivamente é; ficará menos preocupado em exibir peculiaridades um tanto superficiais, ligadas aos privilégios materiais ou mesmo intelectuais.

Só para ver se ficou claro: Liberdade é uma sensação de alegria que deriva da coerência entre o que pensamos (nossas ideias, nossos conceitos) e o comportamento objetivo que temos.

Então, quando há sintonia entre pensamentos e ações, experimentamos a agradável sensação subjetiva de alegria e orgulho de nós mesmos, a mais sofisticada forma de expressão da vaidade.

A liberdade nasce da coerência e esta só pode se alicerçar no autoconhecimento.

O ser livre não é egoísta nem generoso

Moralmente, chamamos de virtude aqueles comportamentos que implicam sacrifício, renúncia e sofrimento. Pessoas que buscam tais posturas experimentam agradáveis sensações por se sentirem superiores às outras, sendo uma sensação correspondente ao prazer erótico relacionado com a vaidade.

Assim, o que chamamos de generosidade tem como objetivo maior fazer surgir, nela mesma, o prazer ligado a sensação de elevação e transcendência, tratando-se de uma forma requintada de prazer egoísta, pois, não é raro, que uma pessoa generosa doe mesmo nos casos em que essa atitude seja maléfica para o receptor.

Por outro lado, o egoísta procura levar vantagem sempre, tomar para si aquilo que não lhe pertence.  A renúncia do generoso só pode ser feita para favorecer o egoísta, visto que outro generoso tenderia imediatamente a retribuir a oferenda.

Assim, a generosidade se exerce na direção do egoísta, que, ao ser recompensado por uma conduta inadequada, tenderá a se fixar a ela.

O justo é aquele que, do ponto de vista moral, se situa em uma posição equidistante entre o egoísmo e a generosidade. Ser criatura justa, estar entre as que habitam para além do bem e do mal, definidos como generosidade e egoísmo, respectivamente; é requisito básico para conhecer de perto o que seja a liberdade.

Somos todos diferentes

As mentes são diferentes não apenas por razões de nascença e por termos sido expostos a experiências peculiares como também porque fizemos observações próprias acerca dessas experiências.

Somos todos diferentes, pensamos de modo próprio e temos muito mais dificuldade para nos comunicar do que costumamos supor.

Somos todos sós, porque, entre outros motivos, jamais poderemos nos comunicar com perfeição.

O fato de nos vermos como iguais perante Deus e a sociedade e como diferentes de cada um de nossos pares não representa uma contradição em si; apenas mostra que podemos verificar o mesmo fato de dois ângulos diferentes e extrair resultados que, de certa forma, se complementam.

Nossas diferenças também se manifestam no plano de vida social e talvez seja um obstáculo intransponível para as tentativas de concretização das utopias igualitárias, as quais são constituídas por belas ideias que geram belos ideais, mas não se concretizam porque não correspondem aos fatos; são ideias belas mas falsas.

Somos todos diferentes quanto a inteligência, aptidões em geral, porte e beleza física, de modo que é provável que jamais sejamos capazes de construir uma ordem social igual em todos os aspectos.

Dessa forma, também não é prudente e coerente buscar um modelo único para o que seja ser livre.

Além disso, uma das mais importantes consequências da constatação de que nossas diferenças biológicas são muito relevantes, sobretudo quando o que buscamos é a liberdade, reside no fato de que devemos evitar, a qualquer custo e em caráter definitivo, todos os tipos de comparação entre os seres humanos. 

Como dizia Erich Fromm: “cada um deveria desenvolver as próprias potencialidades”.

Ao agirmos em oposição a nossas potencialidades, nos dirigimos para o abismo das frustrações, para o agravamento de sensações de incompetência e de fracasso. Não poderemos, nessas condições íntimas lamentáveis, deixar de desenvolver um estado de alma depressivo e ressentido, do qual derivará obrigatoriamente a dolorosa sensação de inveja pelos que se saem melhor naquelas atividades a que nos dedicamos indevidamente.

Sempre que, em uma esfera social, defendemos com insistência a ideia de que somos todos iguais (e já sabemos que isso não corresponde aos fatos), estamos, sem perceber, estimulando o surgimento de um grande contingente de emoções de natureza invejosa.

A inveja acontecerá como um desdobramento inexorável de tentativas de exercer uma atividade para a qual não se foi destinado. O mais bem-dotado se destacará e isso provocará a sensação de humilhação no menos dotado, que reagirá como se tivesse sido ofendido, agredido mesmo, pelo simples fato de o outro ser mais competente.

Além disso, o invejoso não gosta de ser reconhecido como tal, pois se sente ainda mais inferiorizado.

A inveja tenderá a diminuir muito quando a pessoa gastar a maior parte da sua energia íntima para se conhecer e saber de suas potencialidades em vez de viver se comparando com outras, suficientemente diferentes para que a comparação corresponda a um erro lógico.

Não podemos perder tempo e força em comparações improdutivas e inúteis. Nossa referência deve ser interna. Tenho de conseguir ser o melhor “eu” e sentir que hoje estou melhor como pessoa do que há alguns anos. 

O objetivo é o autoconhecimento e o aprimoramento pessoal, condição na qual poderemos atingir a mais genuína e consistente forma de vaidade, responsável por nos sentirmos orgulhosos de nós mesmos.

Temos capacidade para perdoar?

Não somos criaturas destinadas à maldade, à violência e às guerras. Podemos, porém, agir de forma muito destrutiva quando nos sentimos ofendidos ou ameaçados por alguma circunstância externa.

Enquanto os animais só reagem a ameaças concretas, nós, por termos capacidade de imaginar, podemos reagir a supostas agressões ou mesmo nos proteger contra supostas futuras agressões.

Então, apesar de não sermos portadores de uma agressividade particularmente intensa (comparada a outros mamíferos), tendemos a reagir dessa forma com grande frequência porque não respondemos somente a adversidades externas reais, mas também ao que imaginamos, à maneira como interpretamos os fatos e ao que nos ofende na vaidade.

Nossa capacidade de “digestão”, de “deixar pra lá” a ofensa, é muito modesta. Na verdade, ficamos “ruminando” a situação, relembrando-a, vendo de que forma poderíamos ter nos defendido melhor ou que tipo de reação poderíamos ter tido para vencer aquele embate.

Aqueles que não reagem na hora, que aparentemente são os mais controlados e tem maior força racional para lidar com o impulso agressivo são exatamente os que podem sofisticar mais suas respostas. Pode-se esperar tudo deles, até retaliações mais violentas.

É impossível imaginarmos humanos desprovidos de qualquer tipo de reação violenta diante de hostilidades externas, assim como é muito difícil que consigamos nos livrar totalmente da mágoa que os agressores nos causaram.

Tendemos a nos comportar com maior ou menor violência conforme as condições que nos cercam. Se vivemos em um ambiente violento, vamos nos tornando constantemente preparados para a luta ou para a fuga. Se estamos em um ambiente doce e sereno, vamos nos desarmando e deixando nossas desconfianças de lado.

Por exemplo, se moramos em uma cidade muito violenta, acabamos por nos tornar criaturas amedrontadas e desconfiadas, olhando sempre para os lados e esperando uma situação de perigo a qualquer instante. Se, no entanto, estamos em uma colônia de férias ou em um cruzeiro marítimo, vamos ficando doces e desarmados, muito mais tolerantes e afáveis do que costumamos ser na vida cotidiana.

Basta que se crie determinado clima de integração, no qual parece acontecer uma espécie de “diluição” total de cada individualidade, de modo que cada um passa a se sentir apenas como uma peça do todo.

A despersonalização, a perda da identidade parece ocorrer a ponto de a pessoa perder toda capacidade para a mais singela reflexão. Ela se limita a reagir e a responder a alguma voz de comando nem sempre muito sábia.

São muito raros os indivíduos que conseguem percorrer os seguintes passos frente a situações de conflito:

  1. Registram que estão sendo submetidos a certa agressão e usam a razão para determinar a intencionalidade do acontecido e sua real gravidade;
  2. Refletem sobre qual a melhor postura a ser tomada: desprezar a agressão involuntária ou responder à altura do que aconteceu;
  3. Realizar exatamente o que deliberaram fazer.

É difícil entender as razões exatas pelas quais os humanos se sentem tão dispostos a competir uns com os outros quando são desafiados. O fenômeno é, ao menos aparentemente, mais intenso nos homens do que nas mulheres.

O importante é que nem sempre percebemos a interferência das emoções em nossas ações equivocadas e dos pensamentos que nos desviam da rota que nos interessa percorrer.

A interferência mais grave e sutil a que nossa razão está sujeita tem que ver com a vaidade.

A vaidade pede destaque e notoriedade, o que atenua a sensação negativa que a verdade de nossa condição provoca. A razão, que está sempre buscando um remédio para a insignificância, encontra na vaidade uma grande aliada.

Nossa vaidade é um fato. Quanto maior nosso apega a ela, menor nossa liberdade.

 

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