Diabetes Gestacional: Rastreamento, Diagnóstico e Tratamento - Guia Completo
Baseado nas Diretrizes do Ministério da Saúde e FEBRASGO

Diabetes Gestacional: Rastreamento, Diagnóstico e Tratamento - Guia Completo

O Diabetes Mellitus Gestacional (DMG) é uma condição que requer atenção especial durante o pré-natal. Este guia apresenta as diretrizes atualizadas para rastreamento, diagnóstico e tratamento do DMG no Brasil, baseado nas recomendações do Ministério da Saúde e FEBRASGO.

Evolução Histórica do Rastreamento de DMG

1999 - Critérios da OMS

A OMS passou a adotar para o diagnóstico de DMG valores de glicemia plasmática:

  • Jejum: ≥ 126 mg/dl
  • 2 horas após sobrecarga de 75g: ≥ 140 mg/dl

Critérios mantidos até 2013.

2010 - Painel de Especialistas Mundial

Definiu que caso a gestante apresente, na primeira consulta de pré-natal, critérios de diagnóstico iguais àqueles predeterminados para o diagnóstico de diabetes fora da gestação, ela será considerada como portadora de Diabetes Mellitus (DM) diagnosticado na gravidez:

  • Hemoglobina glicada (HbA1c): ≥ 6,5%
  • Glicemia de jejum: ≥ 126 mg/dl
  • Glicemia ocasional: ≥ 200 mg/dl

Critérios para Diagnóstico de DMG (2010)

O diagnóstico do DMG é firmado quando:

1. Glicemia de Jejum

≥ 92 mg/dl e ≤ 125 mg/dl

2. TOTG com 75g (24-28 semanas)

Pelo menos um dos valores alterados:

  • Jejum: ≥ 92 mg/dl
  • 1 hora: ≥ 180 mg/dl
  • 2 horas: ≥ 153 mg/dl

Por que esses pontos de corte?

Esses valores foram escolhidos porque correspondiam a um aumento de risco (odds ratio) de 1,75 para um dos seguintes desfechos neonatais:

  • Peso ao nascer acima do percentil 90
  • Porcentagem de gordura corporal neonatal acima do percentil 90
  • Valor de peptídeo C no cordão umbilical acima do percentil 90

Em outras palavras: As gestantes com 1 ou mais pontos alterados no TOTG com 75g terão um risco 75% maior de ter um recém-nascido com um desses três desfechos neonatais.

2013 - Atualização da OMS

A OMS adotou os critérios acima descritos com duas ressalvas:

  1. Esses critérios são válidos para qualquer idade gestacional
  2. O valor de glicemia de 2 horas do TOTG com 75g deve estar entre 153 e 199 mg/dl para o diagnóstico de DMG (valores ≥ 200 mg/dl correspondem ao diagnóstico de DM)

Recomendações do Ministério da Saúde (2012)

Manual de Gestação de Alto Risco - 5ª Edição (2012)

Protocolo assistencial oficial do SUS vigente até a atualização em 2022:

Rastreamento

Todas as gestantes, independentemente de apresentarem fator de risco, devem realizar uma dosagem de glicemia no início da gravidez, antes de 20 semanas, ou tão logo seja possível.

Rastreamento Positivo

Gestantes com:

  • Glicose plasmática de jejum ≥ 85 mg/dl
  • E/ou presença de qualquer fator de risco para diabetes gestacional

Rastreamento Negativo

Na ausência de fatores de risco e glicemia de jejum ≤ 85 mg/dl:

  • Repetir a glicemia de jejum entre a 24ª e 28ª semana de gestação

Confirmação Diagnóstica (Manual 2012)

Diagnóstico Direto

Duas glicemias plasmáticas de jejum ≥ 126 mg/dl confirmam o diagnóstico de diabetes gestacional, sem necessidade de teste de tolerância.

TOTG com 75g

Gestantes com rastreamento positivo (glicemia 85-125 mg/dl e/ou fatores de risco) devem realizar TOTG com 75g:

MomentoPonto de Corte
Jejum> 95 mg/dl
1 hora180 mg/dl
2 horas155 mg/dl

Interpretação:

  • Dois valores alterados: Confirmam o diagnóstico
  • Um único valor alterado: Repetir o TOTG 75g na 34ª semana de gestação

Hemoglobina Glicada

Recomenda-se a dosagem de hemoglobina glicada nos casos de diabetes e gestação, devido à sua associação, quando aumentada, com malformações.

Recomendações FEBRASGO (2015-2019)

2015 - Análise da FIGO

A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) analisou os critérios para diagnóstico de DMG, considerando as dificuldades econômicas de cada país.

Considerando as especificidades do Brasil, foram propostas duas estratégias de diagnóstico de DMG, na dependência da viabilidade financeira e disponibilidade técnica de cada região.

Estratégia 1: Viabilidade Total

Em situações de viabilidade financeira e disponibilidade técnica total:

Até 20 Semanas

  • Realizar glicemia de jejum para diagnóstico de DMG e DM diagnosticado na gestação

Se Glicemia < 92 mg/dl

  • Realizar TOTG com 75g de 24 a 28 semanas

Pré-natal Tardio

  • Realizar o TOTG visando ao diagnóstico com a maior brevidade possível

Estratégia 2: Viabilidade Parcial

Em situações de viabilidade financeira e/ou disponibilidade técnica parcial:

Início do Pré-natal

  • Realizar glicemia de jejum para diagnóstico de DMG e DM diagnosticado na gestação

Se Glicemia < 92 mg/dl (antes de 24 semanas)

  • Repetir a glicemia de jejum entre 24 e 28 semanas

Diretrizes Atuais (2022)

Manual de Gestação de Alto Risco - Atualização 2022

Percebe-se que o diagnóstico de diabetes na gestação tem evoluído no tempo, e as recomendações dos protocolos assistenciais sofreram mudança após a publicação das novas diretrizes na Revista Científica da FEBRASGO em 2019, com posterior atualização do Manual de Gestação de Alto Risco do Ministério da Saúde em 2022.

Repercussões Materno-Fetais do DMG

Complicações do Excesso de Glicose

Entre as repercussões materno-fetais do excesso de glicose no sangue materno na gestação estão:

Complicações Fetais e Neonatais

  • Crescimento excessivo: Grande para idade gestacional (GIG) - peso ≥ P90
  • Macrossomia: Peso ao nascer > 4.000g
  • Tocotraumatismos
  • Hipoglicemia neonatal
  • Problemas respiratórios no recém-nascido
  • Natimortos (parto tardio)

Complicações em Longo Prazo

  • Maior risco de obesidade
  • Resistência à insulina
  • Repercussões metabólicas e cardiovasculares

Mecanismo Fisiopatológico

Os desvios do crescimento fetal apresentam relação direta com a insulinemia fetal, resultante do excesso de glicose materna, que passa livremente ao feto pela placenta.

Objetivos do Tratamento

Metas do Tratamento Clínico

  • Alcançar e manter as metas glicêmicas
  • Evitar cetose (causada por jejum prolongado)
  • Garantir adequado ganho de peso materno
  • Garantir adequado desenvolvimento fetal
  • Prevenir os desfechos perinatais adversos

Metas Glicêmicas

O controle da glicemia materna tem como meta alcançar e manter níveis de normoglicemia:

MomentoMeta
Jejum< 95 mg/dl
1 hora pós-prandial< 140 mg/dl
2 horas pós-prandial< 120 mg/dl

Automonitorização da Glicemia

A automonitorização da glicemia capilar, por glicosímetro, fita reagente e punção em ponta de dedo, é o método mais utilizado para avaliar os níveis glicêmicos na gestação.

Frequência de Monitorização

As gestantes em tratamento não farmacológico devem fazer o perfil:

  • Diariamente (ou pelo menos 3 vezes por semana)
  • Com quatro pontos: jejum, pós-café, pós-almoço e pós-jantar

Distribuição Gratuita no SUS

Na rede SUS do Brasil, é prevista a distribuição gratuita do material necessário para essa técnica para as gestantes com DMG ou qualquer outro tipo de hiperglicemia.

Importante: O tempo para as medidas das glicemias pós-prandiais, de uma ou duas horas, deve ser contado a partir do início da refeição.

Tratamento Não Farmacológico

Primeira Linha de Tratamento

Adequação nutricional e prática de exercício constituem o primeiro passo do tratamento clínico.

Cerca de 70% das mulheres com diagnóstico de DMG conseguirão controlar os seus níveis glicêmicos com essas medidas.

As recomendações nutricionais básicas podem ser fornecidas pela equipe assistencial, com ajuda, quando possível, de nutricionista.

Monitoramento e Momento do Parto

Aspectos que Merecem Especial Atenção

Nas gestações complicadas pelo DMG, merecem especial atenção:

1. Crescimento Fetal

Mais comumente o excessivo

2. Condições de Oxigenação Intrauterina

A hipoxia representa risco para o bem-estar fetal

3. Momento do Parto

Lembrando que a via do parto tem indicação obstétrica e que DMG não justifica a indicação de cesárea

Decisão do Momento do Parto

A decisão deve ser contrabalançada pelos riscos:

Parto Tardio

  • Natimortos
  • Tocotraumatismos pelo crescimento fetal excessivo

Indução Precoce

  • Prematuridade
  • Possível aumento das taxas de cesárea

Recomendações para DMG Bem Controlado

Nos casos de DMG bem controlado com tratamento não farmacológico:

  • O parto não deve ser induzido antes de 39 semanas
  • A conduta expectante até 40 6/7 semanas pode ser admitida
  • Desde que monitorada adequadamente

Referências

  1. FEBRASGO. Rastreamento e diagnóstico de diabetes mellitus gestacional no Brasil. FEMINA 2019;47(11): 786-96. Disponível em: Portal de Boas Práticas
  2. Organização Pan-Americana da Saúde. Ministério da Saúde. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Sociedade Brasileira de Diabetes. Rastreamento e diagnóstico de diabetes mellitus gestacional no Brasil. Brasília, DF: OPAS, 2016. 32 p.
  3. Caderno de Atenção ao Pré-Natal Risco Habitual. Secretaria do Estado do Paraná – Michele Caputo Neto (Secretário de Estado da Saúde). Disponível em: Secretaria de Saúde do Paraná
  4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico. 5. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2012. 302 p.
  5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. Manual de gestação de alto risco [recurso eletrônico]. Brasília: Ministério da Saúde, 2022. 692 p.

Este artigo é de caráter informativo e baseado nas diretrizes oficiais do Ministério da Saúde e FEBRASGO. Para orientações específicas sobre seu caso, consulte seu obstetra.