O microbioma vaginal humano desempenha um papel essencial na manutenção da saúde ginecológica, e os Lactobacillus são os protagonistas dessa interação ecológica.

As espécies predominantes como Lactobacillus crispatus, L. gasseri, L. jensenii e L. iners estão associadas à homeostase vaginal, prevenção de infecções e melhores desfechos reprodutivos.

Contudo, é crescente o interesse científico em compreender as diferenças funcionais entre essas espécies, especialmente L. iners, que apresenta características singulares.

Este artigo sintetiza os achados de três publicações científicas recentes e relevantes:

● Zheng et al. (2021): “Contribution of Lactobacillus iners to Vaginal Health and Diseases”

● Shiraishi et al. (2024): “Current Perspectives on Vaginal Microbiome and Probiotic Use”

● Hugerth & Franzenburg et al. (2024): “Microbiota-based Diagnosis and Interventions in Vaginal Health”

A seguir, exploro a estrutura, os mecanismos de ação, aplicações clínicas e limitações relacionadas ao uso de exames de detecção de lactobacilos na saúde vaginal.

1 .Composição do Microbioma Vaginal: Um Ecossistema em Equilíbrio

A diversidade do microbioma vaginal é surpreendentemente menor do que a intestinal, sendo dominada por poucas espécies. Estudos baseados em sequenciamento metagenômico classificam os microbiomas vaginais em cinco estados de comunidade (CSTs), dos quais quatro são dominados por Lactobacillus.

A presença predominante de L. crispatus está correlacionada com baixo pH vaginal, menor inflamação e maior resistência a infecções sexualmente transmissíveis.

Lactobacillus iners, no entanto, é uma espécie ambígua. Apesar de estar presente tanto em vaginas saudáveis quanto em casos de vaginose bacteriana (VB), seu papel é controverso. Seu genoma reduzido e adaptações metabólicas sugerem um estilo de vida parasítico e uma resiliência em ambientes disbióticos. A produção exclusiva de ácido lático L, e não do isômero D, pode ser um fator que limita sua capacidade de suprimir patógenos.

2. Lactobacilos e Mecanismos de Proteção Vaginal

As principais estratégias de defesa dos Lactobacillus incluem:

● Produção de ácido lático (L e D)

● Produção de peróxido de hidrogênio (H2O2)

● Secreção de bacteriocinas

● Competição por adesão ao epitélio vaginal

L. crispatus é considerado o mais robusto nesses mecanismos, enquanto L. iners carece da maioria deles, embora retenha uma adesão potente mediada por proteínas como a inerolysina. Esse fator, em vez de protetor, pode favorecer a adesão de patógenos como Gardnerella vaginalis.

3. Probioterapia: Aplicações Clínicas na Saúde Ginecológica

A administração de probióticos com cepas de Lactobacillus, especialmente L. rhamnosus GR-1 e L. reuteri RC-14, tem sido explorada como estratégia terapêutica para reestabelecer a eubiose vaginal. Esses microrganismos, administrados por via oral ou vaginal, demonstraram eficácia em:

● Prevenir a recorrência de vaginose bacteriana;

● Reduzir episódios de candidíase vaginal recorrente;

● Auxiliar no controle de infecções do trato urinário inferior;

● Promover a recolonização de lactobacilos após tratamento com antibióticos ou antifúngicos.

Estudos clínicos randomizados demonstram que a probioterapia pode prolongar o tempo até a recidiva de Vaginose Bacteriana, especialmente quando associada a antimicrobianos, promovendo um ambiente vaginal mais ácido e hostil à proliferação de anaeróbios patogênicos.

Contudo, a eficácia depende da escolha adequada da cepa, da via de administração e da duração do uso. Probióticos de venda livre, que não especificam as cepas utilizadas, têm eficácia incerta. Por isso, as diretrizes clínicas recomendam produtos com evidência clínica publicada e identificação clara das cepas.

4. Exames Moleculares para Detecção da Disbiose Vaginal

A medicina diagnóstica avançou significativamente com o desenvolvimento de métodos baseados em biologia molecular. Tais técnicas são altamente sensíveis, específicas e permitem uma avaliação mais detalhada do microbioma vaginal, em contraste com os métodos tradicionais como a bacterioscopia de Gram e as culturas microbiológicas.

Os principais métodos incluem:

● PCR em tempo real (qPCR): Detecta e quantifica DNA de microrganismos específicos, sendo eficaz na diferenciação entre flora saudável e disbiótica.

● Painéis multiplex: Permitem a detecção simultânea de diversos patógenos, como Gardnerella vaginalis, Atopobium vaginae, Mobiluncus spp. e ausência de lactobacilos protetores, além de infecções concomitantes por Trichomonas vaginalis ou Candida spp..

● NGS (Next-Generation Sequencing): Sequenciamento de nova geração que fornece um mapeamento completo da flora vaginal. Utilizado em pesquisa e em testes clínicos avançados como o Microbioma Vaginal (BiomeHub – Brasil) e Floré Vaginal Test (EUA).

5. Aplicações Clínicas dos Testes Moleculares

● Diagnóstico diferencial de corrimentos vaginais recorrentes.

● Investigação de causas de infertilidade e falhas de implantação embrionária.

● Rastreio de infecções assintomáticas em gestantes com risco de parto prematuro.

● Acompanhamento da eficácia de terapias antimicrobianas ou probióticas.

● Monitoramento da recuperação de eubiose após uso de antibióticos.

6. Vantagens Comparativas sobre Métodos Tradicionais

CaracterísticaTeste ConvencionalTeste Molecular
SensibilidadeModeradaElevada (>95%)
Tempo para resultado2-7 dias6-48 horas
Detecção de múltiplos agentesLimitadaSimultânea
Quantificação da floraNãoSim (qPCR) e NGS
Detecção de LacotbacilosIndiretaDireta e específica

7. Considerações Atuais e Futuras

Embora os exames moleculares ainda não façam parte do rastreio de rotina em saúde pública, seu uso racional e direcionado por critérios clínicos pode otimizar o manejo de mulheres com quadros complexos. As perspectivas futuras incluem o uso de perfis do microbioma para personalizar a prescrição de probióticos, avaliar risco de doenças ginecológicas e até mesmo prever resposta a tratamentos reprodutivos assistidos.

8. Conclusão

A integração do conhecimento sobre Lactobacillus com as novas tecnologias de diagnóstico molecular oferece uma abordagem revolucionária e precisa para a compreensão e cuidado da saúde vaginal.

Com a expansão do acesso e da padronização dos testes, espera-se que cada vez mais mulheres se beneficiem de estratégias personalizadas de prevenção, diagnóstico e tratamento.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *