Evidências Científicas para Prevenção e Tratamento de Infecções Urogenitais
1. Introdução
O microbioma vaginal desempenha papel fundamental na saúde ginecológica da mulher. Trata-se de um ecossistema complexo e dinâmico composto por diferentes microrganismos, principalmente do gênero Lactobacillus, que atuam na proteção contra agentes patogênicos e na manutenção do pH vaginal ácido.
Distúrbios nesse microbioma são frequentemente associados às infecções urogenitais, como a vaginose bacteriana (VB), candidíase vulvovaginal (CVV) e infecções do trato urinário (ITU). Tais condições não apenas comprometem o bem-estar da mulher, mas também afetam sua vida sexual, autoestima e qualidade de vida.
Nos últimos anos, o uso de probióticos com cepas específicas de Lactobacillus ganhou destaque como estratégia preventiva e terapêutica, com respaldo crescente da literatura científica.
Este artigo tem como objetivo apresentar uma revisão abrangente, atualizada e baseada em evidências sobre o papel dos probióticos na saúde vaginal, com foco em sua eficácia na prevenção e tratamento de infecções urogenitais recorrentes.

2. Microbioma vaginal: composição e funções
O microbioma vaginal é predominantemente colonizado por espécies do gênero Lactobacillus, entre elas L. crispatus, L. gasseri, L. jensenii e L. iners. Essas bactérias atuam na proteção da mucosa vaginal através de diversos mecanismos:
● Produção de ácido lático, que reduz o pH vaginal para valores entre 3,8 e 4,5;
● Liberação de bacteriocinas, substâncias com ação antimicrobiana direta;
● Formação de biofilme protetor sobre o epitélio vaginal;
● Competição com patógenos por nutrientes e receptores celulares;
● Estimulação do sistema imune local.
A predominância de lactobacilos é considerada um marcador de saúde vaginal. Alterações nesse ecossistema, com perda da diversidade ou proliferação de microrganismos anaeróbios, são associadas à disbiose e à ocorrência de infecções recorrentes.

3. Desequilíbrios e infecções: VB, candidíase e ITU
A disbiose vaginal caracteriza-se pela substituição da flora dominada por lactobacilos por comunidades mistas de microrganismos anaeróbios, como Gardnerella vaginalis, Atopobium vaginae, Mobiluncus spp. e Prevotella spp.
A vaginose bacteriana (VB) é a forma mais comum de disbiose e está associada a um aumento do pH vaginal (>4,5), presença de corrimento acinzentado e odor fétido. É uma condição multifatorial e de alta recorrência, podendo predispor a doenças inflamatórias pélvicas, partos prematuros e maior susceptibilidade a infecções sexualmente transmissíveis.
A candidíase vulvovaginal (CVV), geralmente causada por Candida albicans, caracteriza-se por prurido intenso, ardência, corrimento espesso e eritema vulvar. Embora o fungo seja um comensal oportunista, sua proliferação descontrolada é facilitada pela redução da barreira microbiana protetora.
Já as infecções do trato urinário (ITU), especialmente a cistite recorrente, têm relação com a colonização perineal por patógenos uropatogênicos. A presença de lactobacilos na microbiota vaginal exerce efeito protetor contra a ascensão dessas bactérias.
Diante desses cenários, intervenções que favoreçam a recolonização vaginal com lactobacilos, como o uso de probióticos, apresentam uma justificativa biológica e clínica robusta.

4. Probióticos: conceito, principais cepas e mecanismos de ação
Probióticos são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro”.
No contexto ginecológico, as cepas mais estudadas são Lactobacillus rhamnosus GR-1 e Lactobacillus reuteri RC-14, devido à sua capacidade de aderência ao epitélio vaginal e produção de substâncias antimicrobianas.Outras cepas de interesse incluem L. crispatus, L. gasseri, L. plantarum e Bifidobacterium bifidum, embora com menor evidência clínica específica para o trato urogenital.
Os mecanismos de ação dos probióticos na saúde vaginal incluem:
● Restauração do pH ácido vaginal;
● Inibição da adesão e crescimento de patógenos como Gardnerella vaginalis e Candida albicans;
● Modulação da resposta inflamatória local;
● Produção de biossurfactantes que dificultam a formação de biofilmes patológicos;
● Estímulo à regeneração epitelial.
A via de administração pode ser oral ou vaginal, sendo que a via oral apresenta vantagens em termos de adesão e praticidade. Estudos mostram que, mesmo por via oral, algumas cepas conseguem migrar para a mucosa vaginal e exercer seus efeitos protetores localmente.

5. Evidências científicas do uso de probióticos na prevenção e tratamento de vaginoses
Um dos estudos mais relevantes sobre o tema foi conduzido por Reid et al. (2003), que demonstraram, em ensaio clínico randomizado, o impacto positivo da administração oral de Lactobacillus rhamnosus GR-1 e Lactobacillus reuteri RC-14 na composição da microbiota vaginal de mulheres com disbiose. Após quatro semanas de suplementação, houve aumento significativo da colonização por lactobacilos e redução de microrganismos patogênicos.
Falagas et al. (2007), em revisão sistemática, reforçaram que o uso contínuo de probióticos reduz significativamente a recorrência de candidíase vulvovaginal em mulheres predispostas. Acredita-se que a reposição do microbioma saudável iniba o crescimento fúngico e restabeleça a barreira natural.
Senok et al. (2009) também destacaram a utilidade de probióticos como adjuvantes no tratamento da vaginose bacteriana, especialmente em associação com antibióticos, promovendo maior taxa de cura e menor risco de recidiva.
Mais recentemente, Huang et al. (2020) realizaram uma metanálise que incluiu dezenas de estudos clínicos, demonstrando que a administração de probióticos melhora significativamente os sintomas de VB, reduz a carga bacteriana e prolonga os períodos de remissão após o tratamento.
Esses dados sustentam o papel dos probióticos como ferramenta eficaz e segura na prática ginecológica, tanto para prevenção quanto como coadjuvante terapêutico.

6. Uso oral versus vaginal: comparações de eficácia
A via de administração dos probióticos pode influenciar diretamente seus efeitos clínicos e adesão ao tratamento. A via vaginal permite ação local imediata, com colonização direta da mucosa e impacto mais rápido em casos agudos.
No entanto, apresenta maior dificuldade de adesão devido a desconfortos, necessidade de aplicação intravaginal e interrupção em caso de sangramentos menstruais ou uso de espermicidas.
Por outro lado, a via oral tem se mostrado eficaz em diversos estudos. Segundo Reid et al. (2001, 2003), cepas como L. rhamnosus GR-1 e L. reuteri RC-14, quando administradas oralmente, alcançam a mucosa vaginal após atravessar o intestino e migrar para o trato geniturinário, onde exercem seus efeitos protetores.
Estudos comparativos mostram que ambas as vias são eficazes na restauração da microbiota vaginal, mas a oral apresenta maior comodidade, segurança e aceitação pelas pacientes.
A escolha deve considerar o quadro clínico, frequência das recorrências e preferências da paciente.
Além disso, a via oral pode ter efeitos sistêmicos positivos, como modulação da imunidade intestinal e sistêmica, o que pode colaborar para a prevenção de infecções não apenas vaginais, mas também urinárias.
Assim, protocolos combinados — iniciando por aplicação vaginal em crises agudas e mantendo com probióticos orais para manutenção preventiva — têm sido adotados com bons resultados.

7. Probióticos como coadjuvantes a antimicrobianos
A associação de probióticos com terapias antimicrobianas tradicionais tem ganhado destaque na abordagem integrada de infecções urogenitais recorrentes. Antibióticos e antifúngicos, apesar de eficazes na eliminação dos patógenos, podem causar desequilíbrio na microbiota vaginal, favorecendo a recidiva das infecções.
O uso concomitante de probióticos visa restaurar rapidamente o ecossistema vaginal e reduzir os efeitos deletérios da antibioticoterapia. Em ensaio clínico conduzido por Martinez et al. (2009), pacientes com vaginose bacteriana tratadas com metronidazol associado a probióticos contendo L. rhamnosus GR-1 apresentaram menor taxa de recorrência em 6 meses, quando comparadas ao grupo controle.
Outrossim, estudos demonstram que os probióticos podem reduzir os efeitos colaterais gastrointestinais dos antimicrobianos, melhorar a adesão ao tratamento e promover maior satisfação da paciente.
Revisões sistemáticas apontam que o uso de probióticos após o término do esquema antibiótico, em especial por pelo menos 28 dias, confere proteção significativa contra novas infecções, tanto bacterianas quanto fúngicas. A restauração do equilíbrio microbiano é mais eficaz quando a recolonização com lactobacilos ocorre logo após a erradicação dos patógenos.
Essa abordagem sinérgica tem sido especialmente útil em mulheres com infecções recorrentes, permitindo um manejo mais duradouro e individualizado.

8. Diretrizes clínicas e recomendações práticas
Embora ainda não haja consenso absoluto entre sociedades médicas internacionais, várias diretrizes clínicas têm reconhecido o potencial benefício do uso de probióticos como coadjuvantes na ginecologia preventiva e terapêutica.
O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) considera que, embora os probióticos ainda não integrem rotineiramente os protocolos padrão, há evidências crescentes para seu uso adjuvante, especialmente em casos de VB de repetição.
No Brasil, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) também destaca o uso de probióticos em boletins técnicos e artigos científicos, recomendando seu uso racional em associação com antimicrobianos e em casos selecionados de candidíase e VB recorrente.
Recomendações práticas incluem:
● Identificar cepas específicas: Preferir produtos com identificação de cepas, como L. rhamnosus GR-1 e L. reuteri RC-14;
● Duração adequada do uso: Pelo menos 28 dias de uso contínuo, ou conforme prescrição médica individualizada;
● Associação terapêutica: Usar como complemento à antibioticoterapia, não como substituição em quadros agudos;
● Atenção a pacientes imunocomprometidos: Em raros casos, especialmente com imunossupressão grave, a prescrição de probióticos deve ser avaliada com cautela.
A personalização do cuidado é essencial. A escolha do tipo de probiótico, via de administração, duração do uso e associação com outras terapias deve levar em conta o histórico clínico da paciente, frequência das infecções e resposta aos tratamentos anteriores.
Com o avanço das pesquisas e a padronização dos estudos clínicos, é possível que em breve os probióticos passem a integrar de forma mais estruturada os guidelines nacionais e internacionais.
9. Produtos que contêm exatamente as cepas GR-1 e RC-14
● Florafemme® (importado – oral e vaginal): Composição: L. rhamnosus GR-1 e L. reuteri RC-14
》Indicações: vaginose bacteriana, prevenção de disbiose vaginal, candidíase de repetição
Disponível em farmácias de manipulação ou via importação por plataformas como iHerb, Amazon ou farmácias com cadastro da ANVISA para produtos nutracêuticos. lAlgumas farmácias manipulam os probióticos com cepas importadas, sob encomenda. Recomenda-se solicitar especificamente:> “Lactobacillus rhamnosus GR-1 e Lactobacillus reuteri RC-14 padronizados para uso oral e/ou vaginal.”
》Alternativas com cepas similares disponíveis no Brasil:
Embora não tenham as cepas exatas Lactobacillus rhamnosus GR-1 e Lactobacillus reuteri RC-14, algumas formulações usam L. rhamnosus GG, L. acidophilus LA-5, ou L. reuteri DSM 17938, que demonstram efeitos benéficos no trato geniturinário.
Exemplos:
Cepas Contidas | Via de Uso | Disponibilidade | Observações | |
Florafemme® | L. rhamnosus GR-1, L. reuteri RC-14 | Importado (iHerb, Amazon, farmácias especializadas) | Contém as cepas estudadas com maior evidência | |
ManFloraliv®ipulado (GR-1 + RC-14) | L. rhamnosus GR-1, L. reuteri RC-14 | Farmácias de manipulação com importação | Necessário solicitar especificação das cepas | |
Simfort Femin | L. acidophilus, L. rhamnosus, B. lactis | Oral | Farmácias convencionais (Aché©) | Alternativa nacional para saúde íntima |
Floraliv® | L. acidophilus, B. lactis | Oral | Farmácias convencionais (Biolab) | Ação mais intestinal, mas pode ajudar como coadjuvante |
Prolive® | L. rhamnosus, L. acidophilus | Oral | Farmácias convencionais (EMS) | Boa tolerância, sem especificação da subcepa GR-1 |
⚠️ Atenção: nem todo L. rhamnosus é GR-1. O efeito clínico é cepa-dependente. Por isso, a formulação precisa mencionar o código da cepa.
📝 Considerações Práticas
Para casos clínicos complexos ou de repetição, recomenda-se uso orientado por ginecologista ou nutrólogo funcional.
A suplementação deve preferencialmente durar 28 dias ou mais para efeito sustentado (segundo Reid et al., 2003).
Pode-se associar com antifúngicos/antibióticos tópicos em regime de tratamento adjuvante.

9. Conclusão
As evidências científicas analisadas ao longo deste artigo apontam de forma clara e consistente para o potencial terapêutico dos probióticos na manutenção e restauração da saúde vaginal.
O uso de cepas específicas como Lactobacillus rhamnosus GR-1 e Lactobacillus reuteri RC-14 tem se mostrado eficaz na prevenção e no manejo adjuvante das principais infecções urogenitais, incluindo vaginose bacteriana, candidíase vulvovaginal e infecções urinárias recorrentes.
A via oral, por sua conveniência e boa aceitação, tem sido amplamente utilizada, com resultados positivos na modulação do microbioma vaginal e na redução da recorrência das infecções.
A associação de probióticos a esquemas antimicrobianos parece ser uma estratégia racional, segura e baseada em evidência para reduzir a disbiose induzida por antibióticos e aumentar a eficácia terapêutica a longo prazo.
Entretanto, é fundamental que o uso clínico de probióticos seja respaldado por formulações de qualidade, com identificação de cepas, estudos clínicos de suporte e individualização conforme o perfil da paciente.
A prática baseada em evidências deve sempre guiar a prescrição desses produtos, evitando seu uso indiscriminado ou com finalidades não comprovadas.Espera-se que, com a evolução dos estudos em microbioma e probióticos, surjam novas diretrizes clínicas que incorporem essas ferramentas à rotina ginecológica com maior segurança e precisão.

10. Referências Bibliográficas
1. Reid G, Charbonneau D, Erb J, Kochanowski B, Beuerman D, Poehner R, Bruce AW. Oral use of Lactobacillus rhamnosus GR-1 and L. reuteri RC-14 significantly alters vaginal flora: randomized, placebo-controlled trial in 64 healthy women. FEMS Immunol Med Microbiol. 2003;35(2):131–134.
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5. Martinez RC, Franceschini SA, Patta MC, Quintana SM, Gomes BC, De Martinis EC, Reid G. Improved cure of bacterial vaginosis with single-dose intravaginal metronidazole plus probiotic lactobacilli: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Can J Microbiol. 2009;55(2):133–138.
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7. Vieira-Baptista P, Martins C, Lima-Silva J, et al. Use of probiotics in female intimate health: recommendations and clinical practice. J Low Genit Tract Dis. 2022;26(1):1–9.
Este artigo é de caráter informativo e não substitui o aconselhamento médico individualizado. Para prescrição de probióticos, consulte seu ginecologista.