A liberdade Possível – Resenha livro Flávio Gikovate

Nossos 2 instintos – sexo e amor- muitas vezes estão em oposição.

O fenômeno amoroso está integrado a nossa sexualidade?

Isso e muito mais é discutido nesse livro maravilhoso do psiquiatra (Flavio Gikovate) que deixou uma obra fenomenal e inspiradora.

O livro pode ser adquirido pelo link que segue https://amzn.to/4h41LY9, minhas conclusões, reflexões e inquietações estão imbutidas na resenha que é quase um resumo do que Gikovate entende sobre liberdade, amor e sexo.

A pergunta que Gikovate responde magistralmente é: Como unir amor e sexo no relacionamento?

Sobre o instinto de amor e do sexo

As necessidade do corpo relacionadas a autopreservação como comer, beber, proteger-se do frio, refrescar-se no calor são ligadas à sobrevivência individual e da espécie.

Os desejos distinguem-se das necessidades pois não afetam, em si, nossa sobrevivência caso não atendidos; ao não se realizarem geram sensação de tristeza e frustração que não tem repercussões perigosas no que diz respeito à sobrevivência, exceto em indivíduos acometidos por algumas doenças mentais, que por elas já causam risco a sobrevivênica, como a depressão.

A primeira manifestação do “instinto” do amor relaciona-se ao desejo, espontâneo, ligado ao prazer do estabelecimento de vínculos estáveis com pessoas que se tornam especiais para nós. Exemplo clássico é da criança que mesmo não necessitando dos cuidados da mãe tem prazer em sua companhia. O que acontece com a mãe também, que nunca precisou da criança para atender suas necessidades de sobrevivência.

Gikovate definine que amor é paz, esta traduzida pela simbiose uterina, a paz original do ser humano, visto que durante a vida uterina a criança é nutrida passivamente em suas necessidades pela placenta ligada carnal e simbioticamente ao útero materno.

A excitação física provoca uma sensação agradável, um nervosismo sentido como prazeroso, uma sensação de desequilíbrio a qual afasta o organismo do estado de serenidade que é característico do amor; assim, conclui-se que a excitação física abala a paz, e se amor é paz, a excitação física abala o amor.

A excitação sexual, um tipo específico de excitação física, é claramente pessoal, obtida pela manipulação das zonas erógenas, então, por dedução, a excitação sexual, abala a paz, e consequentemente, se amor é paz, abala também o amor; ou ainda, onde há excitação sexual não pode coexistir amor, pois também nos tira da serenidade da paz.

O amor manifesta-se de forma interpessoal desde a primeira interação, seja virtual ou presencial. O amor impulsiona as pessoas para o estabelecimento de alianças ao passo que o sexo é o maior defensor da independência e do reconhecimento dos indivíduos como seres únicos. Residindo aqui a grande dicotomia humana, todos queremos sexo com amor, no entanto, sexo individualiza e o amor agrega os seres humanos.

O sexo é o único desequilíbrio (perda da serenidade) sentido como prazeroso pelo ser humano, sendo o estímulo físico que mais nos impulsiona para a ação, para o desenvolvimento e para a criatividade em geral.

O amor é paz, sempre interpessoal (entre as pessoas), enquanto o sexo é excitação, inquietação e fenômeno essencialmente pessoal (individual). Correspondem às duas tendências básicas de nossa condição, uma para a integração e a serenidade e outra para a individualidade e a ação. São responsáveis por muitas das contradições que costumamos vivenciar.

Se o sonho de consumo do ser humano é ter um relacionamento amoroso mas que também tenha sexo de qualidade, e ambos são opostos, amor é passividade e integração e sexo é ativo e individual como chegarmos a um relacionamento satisfatório?

Relacionamento possível

O anseio amoroso é extremamente simples: visa apenas ao estabelecimento de um vínculo sólido e sereno com outra pessoa, que atualmente é escolhida pelo próprio interessado, no entanto, antigamente na sociedade ociedental e ainda hoje em algumas culturas orientais era escolhido pelos pais do casal, conforme quesitos e percepções abstratas, mas práticas.

O encantamento se dá entre pessoas diferentes quanto a aspectos essenciais, uma vez que somos todos diferentes. Em relação a diferenças, são principalmente aquelas que se manifestam no caráter e em outros aspectos básicos relacionados com o humor, com a tolerância às dores da vida, com o nível de educação etc.

A admiração dá origem ao amor e à inveja, com predominância desta última quando as diferenças entre as pessoas envolvidas são marcantes. Então aquele ditado popuilar que os opostos se atraem talvez funcione melhor na teoria que na prática.

Pessoas enfraquecidas, também conhecidas como carentes, necessitam de companhia e não podem se imaginar sozinhas nem por um minuto, desenvolvendo uma dependência similar àquela que o bebê experimenta em relação à mãe. Esse é um dos perigos do amor, pois sua versão adulta deveria conter basicamente o desejo de companhia e não necessidade.Quando estamos no domínio da necessidade, não há como respeitar os direitos do parceiro.

Projetar os problemas para fora de nós pode aliviar a tendência depressiva que experimentamos ao constatarmos nossos limites. Assim, é claro que a grama do vizinho sempre está mais bonita que a nossa e isso porque ele tem tempo para cuidar dela já que ele é um desocupado. Aceitar nossos limites e nossas necessidade de projeção não é tarefa que se consegue sem sofrimento e autorresponsabilidade.

O desenvolvimento interior necessário a uma nova visão do amor depende da conquista da capacidade de ficarmos razoavelmente bem sozinhos, suportando a condição de desamparo.

Por não suportarmos a solidão, podemos nos tornar cada vez mais dependentes de parceiros inadequados, em relação aos quais desenvolveremos hostilidade ainda maior, revoltando-nos contra nossa própria dependência.

Quase todos fugimos da condição de desamparo, cada um a seu modo: uns se atolam no trabalho; outros, nas drogas; outros em alguma fé religiosa abraçada de forma pouca crítica, ou então, em algum tipo de utopia messiânica capaz de dar sentido e importância à vida.

O desamparo corresponde a um estado verdadeiro, é uma propriedade da condição humana que deriva da consciência que temos da nossa posição diante do universo, ou seja, nossa insignificância extrema perante o todo que é o universo visível e invisível.

A emoção deriva da incerteza; isso vale para a vida como um todo e para um simples jogo de futebol, bem menos interessante se já conhecêssemos de antemão o resultado. Ou seja, as borboletas no seu estômago são apenas o sinal físico da sua incerteza, do poder ser, do resultado que não se sabe, a insegurança do desconhecido.

Aqueles que conseguem conviver com o desamparo e essa enorme incerteza em relação a tudo levarão enorme vantagem, uma vez que ficarão bem consigo mesmos. Ou seja, deixarão de perceber a solidão como condição catastrófica. Poderão gostar muito de ficar parte do tempo sozinhos e viver de forma individual.

Quando somos capazes de tolerar nosso “buraco” e aprender a conviver com ele, estamos caminhando rumo a uma sensação agradável derivada do sentimento de força, nesse caso mais que física, emocional. 

O desenvolvimento emocional associado à capacidade da pessoa conseguir tolerar a dor do desamparo por meios próprios cria condições para que os seres humanos possam viver sozinhos, mas também bem acompanhados, livres da projeção e do medo da solidão.

O que nos falta deve ser buscado em nós mesmos e não no outro, que existirá não para nos salvar nem para resolver nossos problemas, mas sim como fonte de prazer, e que será escolhido segundo critérios similares aos que usamos na escolha dos amigos.

O elo amoroso que se estabelece entre criaturas mais evoluídas emocionalmente não pode implicar grandes limitações aos direitos humanos, uma vez que eles serão sentidas como insuportáveis.

A felicidade sentimental não é, pois, utopia. Casais que vivem em clima de ternura e companheirismo, sem brigas banais e tratando de modo respeitoso as divergências, existem e sempre existirão. É verdade que são poucos, justamente porque é necessária uma evolução interior para que se possa atingir um nível de maturidade que permita um padrão assim sofisticado de relacionamento. 

É essencial conhecermos nossos defeitos e limitações para que possamos progredir. De nada adianta sabermos tudo sobre os outros se continuarmos ignorantes a respeito de nós mesmos.

Pessoas que realmente amam querem o melhor para o amado; portanto, seria inaceitável impor restrições que viessem a prejudicar sua expansão e a realização de todas suas potencialidades.

Pessoas que chegam perto de completar o ciclo evolutivo vivem juntas ou sozinhas de forma muito parecida, porque criaturas semelhantes e respeitosas que estão juntas fazem tudo que querem fazer e atribuem a seu par direitos iguais.

O amor só é necessidade para quem tem dificuldade de enfrentar a dor do desamparo. Isso porque nossa sensação de abandono e desamparo se atenua quando nos sentimos parte de um todo que nos contém. As pessoas que vivem inseguras e sem o mínimo de serenidade consigo mesmas são as que mais necessitam da vida em grupo, procurando companhia o tempo todo e não suportando ficar sós por muito tempo.

A evolução emocional acontece algumas vezes porque conseguimos ultrapassar obstáculos e outras por aceitarmos com docilidade limitações inexoráveis. É preciso distinguir bem essas duas condições para que não cometamos o grave erro de lutar para superar aquilo que devemos apenas aceitar.

Mas e o sexo, onde fica nesse relacionamento amoroso?

A vaidade nos impulsiona ao erotismo

A importância que o ato de olhar – e de ser olhado – tem para a vida íntima de todos nós não pode ser subestimada. Se não existisse a vaidade, que depende de sermos olhados com admiração e interesse, seria difícil imaginarmos pessoas saindo de casa para dançar em lugares públicos.

A vaidade corresponde a um importante aspecto de nosso instinto sexual, uma vez que o exibicionismo provoca um estado de excitação muito agradável. Não há como impedir a existência de um componente de vaidade em todas nossas ações. A renúncia total à vaidade seria a suprema vaidade.

Somos todos vaidosos e não há por que nos envergonharmos disso. 

Nada está livre da vaidade, nem mesmo os fenômenos relacionados com o encantamento amoroso. O discurso amoroso parece um contínuo estímulo da vaidade: “Você é incrível! É uma pessoa super especial! Não há ninguém como você!”

Quando somos admirados e queridos, ficamos satisfeitos, porque somos gratificados tanto do ponto de vista amoroso como do erótico. Além disso, quando somos invejados por nossas qualidades, nos sentimos gratificados pela vaidade mas frustrados sentimentalmente. Ser invejado corresponde a um momento em que o indivíduo se sente superior, promovendo ainda mais sua vaidade.

Pessoas mais conciliadas consigo mesmas não gostam de provocar a inveja dos outros. No entanto, mesmo que não seja esse seu desejo, tal condição ocorrerá muitas vezes. Nesses casos, é fundamental tomar a inveja – ainda que indesejada – como elogio.

Não é nosso problema sabermos se a vaidade é um bem ou um mal. A vaidade é. Ela nos envolve, e o que nos cabe é dar um destino digno a suas manifestações.

O indivíduo livre exercerá sua vaidade de forma que melhor lhe aprouver, será mais do que tudo, orgulhoso de sua coerência e de sua consistência, do fato de ter ideias firmes e da pequena discrepância entre elas e sua conduta.

O prazer erótico de se existir como criatura assim constituída deverá superar muito o prazer efêmero e instável ligado à exibição de ornamentos e de outros objetos que não tenham nada que ver com a real subjetividade da pessoa.

 Assim, para conciliarmos amor com sexo é preciso aprender a lidar com o desamparo, aceitando tal condição, mas também admirar e ser admirado por nosso parceiro amoroso, a autoaceitação dos próprios limites e a admiração do indivíduo a quem escolhemos como parceiro são os ingredientes essenciais e indispensáveis para um relacionamento amoroso e sexual que permeia momentos de paz individual com momentos de intensa excitação física interpessoal.

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