A demência é uma síndrome caracterizada pela deterioração da cognição, resultando em prejuízo nas atividades da vida diária. O declínio cognitivo muitas vezes afeta vários domínios.

A incidência de demência duplica a cada 6.3 anos de aumento da idade, de 3,9 por 1.000 pessoas-ano nas idades de 60-64 anos, salta para 104,8 por 1.000 pessoas-ano nas idades de 90 anos ou mais

Demência: história e conceito

O termo demência deriva da palavra latina demens, que é composta do prefixo “de” (sem ou não) e do termo “mens” (mente). Essa palavra passou a ter conotação médica no início do século 18 através de Jean Etienne Esquirol, porém a condição clínica de deterioração cognitiva associada ao envelhecimento é bastante conhecida desde a antiguidade.

Existem registro desde o Egito e Grécia Antiga descrevendo e formulando os primeiros conceitos de demência, mas foi no período greco-romano que Galeno caracterizou a demência como um distúrbio mental.

A maioria dos casos de demência apresenta causas degenerativas e vasculares. Outras causas incluem infecções, doenças inflamatórias, neoplasias, irritações tóxicas, distúrbios metabólicos e trauma.

Estima-se que de 11% a 14% das demências sejam causadas por afecções potencialmente reversíveis; portanto, é extremamente importante descartar essas condições ao se considerar um diagnóstico de demência

Em 1906, em um encontro alemão de psiquiatria na cidade alemã de Tübingen, o psiquiatra alemão Alois Alzheimer (1864-1915) descreveu pela primeira vez as características clínicas e patológicas de uma então chamada demência pré-senil.

Na sua descrição Alzheimer descreveu o caso da paciente Auguste Deter, cujo quadro clínico foi acompanhado por ele entre 1901 e 1906. A paciente havia sido internada em um asilo municipal em Frankfurt, levada pelo marido devido a alterações neuropsiquiátricas manifestadas a partir dos 51 anos.

Atualmente sabe-se que a Doença de Alzheimer (DA) provoca lesões cerebrais e degeneração progressiva das células cerebrais. A característica principal da doença é o depósito da proteína beta-amilóide nos espaços entre as células, criando placas denominadas senis.

O agrupamento da beta-amilóide bloqueia as sinapses (conexão entre os neurônios) e causa inflamações, provocando destruição dos neurônios.

Ainda não existe cura para a demência, mas um tratamento adequado permite aliviar os sintomas e retardar seu agravamento.

Nos estágios iniciais, a Doença de Alzheimer é mais difícil de ser detectada e os sintomas de outras demências são muito semelhantes.

Como diferenciar os tipos de Demências

Diferenciar a demência, o comprometimento cognitivo leve e o envelhecimento normal é de suma importância, para a instituição do tratamento precoce quando confirmado o estagio inicial da demência.

O comprometimento cognitivo leve (CCL) é definido como uma condição caracterizada pelo declínio cognitivo recém-adquirido, considerado mais extenso do que o esperado para a idade ou para o nível de instrução do indivíduo.

O CCL não causa comprometimento da atividade diária significativo, é considerado um estágio de transição entre as alterações cognitivas do envelhecimento normal e a demência em estágio precoce.

O CCL pode ser dividido em amnésico e o não amnésico, ou seja, o amnésico apresenta comprometimento da memória, e o não amnésico apresenta preservação da memória e prejuízo de outros domínios cogniticvos como a fala, habilidades visuais e de função executiva (habilidade de executar funções simples do dia a dia).

Os indivíduos com CCL evoluem para doença de Alzheimer a uma taxa de 10 a 15% por ano, o que é muito maior que a taxa de incidência da população geral, em torno de 1 a 2% ao ano.

Demência Degenerativa ou vascular?

As demências apresentam basicamente duas causas, as degenerativas e as vasculares, e ter uma causa não exclui a outra, ou seja, há demências degenerativas associadas a vasculares.

A causa mais comum das demências, é a Doença de Alzheimer, que tem causa degenerativa, cerca de 60% das demências são doença de Alzheimer. Além dela, a doença dpos corpos de Lewy, doença de Parkinson, atrofia frontotemporal com ou sem corpos de Pick, a doença de Huntington, a paralisia supranuclear progressiva e a degeneração espinocerebelar são relacionadas como de causa degenerativa.

As causas vasculares são responsáveis por 5 a 20% dos casos de demência, sendo consequencia de infartos múltiplos ou um infarto único estratégico, hemorragia, hipoperfusão (diminuição do sangue no cérebro), efeitos de irradiação, doenças cardíacase de transtornos vasculares cerebrais.

Doença de Alzheimer: do começo ao fim

A Doença de Alzheimer (DA) é uma patologia neurodegenerativa crônica progressiva e fatal que causa problemas de memória, pensamento e comportamento. É a forma mais comum de demência, contabilizando de 60 a 80% dos casos de demência. Estima-se que a doença afete 47,5 milhões de pessoas no mundo.

No Brasil, a estimativa de demência na população é de 1,1 milhão de pessoas, com taxa de demência entre 5,1 a 17,5%, sendo a DA a causa mais frequente.

Seu desenvolvimento é gradual e progressivo. Quando diagnosticada nos estágios iniciais, é possível retardar seu avanço, sendo um dos principais fatores de risco, a idade. A prevalência da doença é de 2% aos 65 anos e de 35% aos 85 anos.

A Doença de Alzheimer pode ser classificada em três fases incluindo um estágio de pré-demência.

  • Pré-demência ou Déficit Benigno de Memória ou Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) – o estágio de déficit benigno de memória caracteriza-se por deficiências de memórias isoladas, não causando comprometimento para as atividades da vida diária e não envolvendo perda de outras funções cognitivas além da memória. Os portadores de pré-demência devem realizar acompanhamento médico periódico já que os quadros de déficit Benigno de Memória e Doença de Alzheimer inicial são similares. Algumas pessoas com essa perda benigna da memória não desenvolvem DA e eventualmente melhoram ou se mantém estáveis.
  • Estágio inicial ou leve – a fase inicial da Doença de Alzheimer caracteriza-se por perda de memória recente, dificuldade de raciocínio e expressão, repetitividade de questões, desorientação espaço-temporal, desmotivação e indícios de depressão. Apesar dos sintomas, o paciente é capaz de viver sua vida de forma independente. Os problemas na memória e raciocínio tornam-se evidentes para a família e para os médicos que acompanham o paciente.
  • Estágio moderado – este estágio é o mais longo, caracterizando-se pela progressão das deficiências cognitivas. As atividades diárias ficam impactadas pela doença. Os sintomas incluem esquecimento de fatos antigos, mal-humor, dificuldades de lembrar o endereço e o telefone pessoais, distúrbios no sono, riscos de se perder, mudanças na personalidade e comportamento repetitivo. O paciente pode ficar extremamente dependente de um cuidador ou da família, necessitando de ajuda para as tarefas cotidianas como se vestir e fazer a higiene pessoal.
  • Estágio grave – neste último estágio, todas as funções cognitivas estão seriamente ou completamente comprometidas. Os sintomas incluem incapacidade de comunicação, distúrbio comportamental, incontinência urinária e fecal, perda de peso e habilidades motoras. O paciente não é mais capaz de realizar as atividades da vida diária, dependendo de outras pessoas para sobreviver.

O período de evolução do estágio leve para o grave é de cerca de 10 anos. Clinicamente, um paciente não pode ser diagnosticado como “provável doente de Alzheimer” até que ele apresente graves déficits cognitivos que afetam significativamente suas atividades cotidianas. Entretanto, alterações no cérebro causadas pela doença ocorrem décadas antes de surgirem os primeiros sintomas.

Fatores de risco para DA

  • idade
  • história familiar da doença (o risco aumenta com o número de familiares de primeiro grau afetados)

Como diagnosticar demência

O diagnóstico de demência e considerado primeiramente pela comparação do estado atual de capacidade cognitiva e funcional em relação ao nível pré-doença.

É impostante incluir uma revisão de medicamentos, pois alguns podem afetar a função cognitiva.

Toda alteração na capacidade de lidar com as atiidades da vida diária como comer, tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, locomover-se e continência (urinária, fecal); ou com as atividades da vida diária como arrumar a casa, cozinhar, limpar, fazer comprar, cuidar do dinheiro, gerenciar os medicamentos, usar o telefone e/ou usar meios de transporte fornece pistas importantes para o diagnóstico e a classificação da doença.

No consultório do clínico, além da avaliação dos estado cognitivo e funcional, o Miniexame do Estado Mental (MEEM ou MIniMental) é um excelente questionário de rastreamento, pontuação acima de 25 tem baixa probabilidade de declínio cognitivo, pontuações abaixo de 21 indica elevada probabilidade de declínio cognitivo e pontuações entre 21 e 25 necessitam reavaliação dentro de 3 a 6 meses.

No entanto, o MiniMental pode não ser sensível o suficiente para detectar comprometimento cognitivo leve em pacientes mais jovens e com nível educional elevado.

Embora muitos questionários de rastreamento tenham surgido nos últimos anos, como a Seção Cognitiva da Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer (ADAS-cog), a Escala de Classificação de Demência de MAttis (MDRS), a Avaliação cognitiva de Montreal (MoCA) e o questionário AD-8, nenhuma delas é superior às outras, não existindo uma escala melhor para o rastreamento da demência.

O Ministério da Saúde aderiu a Escala CDR(Clinical Dementia Rating) para embasar o diagnóstico e classificação da demência:

escala cdr para demencia de alzheimer
escala cdr para diagnóstico e classificação de demencia

Além dos sintomas de mémória, cognitivos e funcionais, a retração social, a paranoia e a ansiedade são sinais frequentes da doença de Alzheimer. Quando há suspeita de sintomas psiquiátricos e/ou comportamentais, podem ser usadas escalas padronizadas, como a Escala de avaliação de comportamentos patológicos na doença de Alzheimer (Behave-AD), o Inventário Neuropsiquiátrico (INP) e o Inventário de Agitação Cohen-Mansfield (CMAI).

Critérios para diagnóstico clínico de doença de alzheimer

Exame Neuropsicológico nas demências

Os exames neuropsicológicos são recomendados pois podem ser úteis para distinguir depressão de demência, essa exame gera um relatório detalhado para consolidar sintomas de alterações de pensamento observados nas demências.

O melhor cenário é ter vários exames neuropsicológicos de comparação, idealmente o primeiro num estágio anterior ao declínio cognitivo para comparar e avaliar a velocidade de progressão dos sintomas.

Conhecer o estado de funcionamento basal é importante para determinar prognóstico e avaliar a resposta aos medicamentos. Assim, a mínima suspeita de alteração de memória ou sinais de declínio cognitivo seria interessante realizar um exame neuropsicológico para posterior comparação.

Avaliação laboratorial da Doença de Alzheimer

Não há exames laboratoriais capazes de comprovar a presença de demência, os exames laboratoriais são realizados para encontrar causas reversíveis ou parcialmente reversíveis de demência.

Os biomarcadores hoje disponíveis podem ser obtidos através de neuroimagem ou do líquido cefalorraquidiano com análise dos níveis de amiloide β1-42 e da proteína tau total e fosforilada. Os marcadores obtidos no líquido cefalorraquidiano apresentam boa acurácia diagnóstica, entretanto tem como fator limitante, a necessidade da realização de punção lombar para coleta.

Pesquisas em análise de imagens de Ressonância Magnética (RM) e Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP) têm relatado alta acurácia na detecção de alterações neurodegenerativas. O uso de técnicas de neuroimagem é fortemente recomendado para o diagnóstico de demência em conjunto com exames clínicos, permitindo o exame do cérebro in vivo de maneira não invasiva.

A Ressonância Magnética fornece informações estruturais do sistema nervoso através da irradiação de ondas de rádio sob a influência de um forte campo magnético. É utilizada para detecção de alterações estruturais de doenças intracranianas como lesões e tumores.

A Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP) faz o mapeamento dos processos metabólicos do corpo humano. O exame mede o fluxo sanguíneo no cérebro através da injeção de substâncias radioativas e o monitoramento da absorção da radioatividade. As regiões mais ativas possuem um fluxo sanguíneo elevado, transportando mais substâncias radiativas para as áreas ativas. Áreas menos ativas consomem menos substâncias; a TEP é utilizada principalmente como exame complementar para o diagnóstico clínico, sendo útil também para diferenciar demências vasculares e focais.

Do ponto de vista neuropatológico (por biópsia cerebral ou pós-mortem), observa-se no cérebro de indivíduos com DA atrofia cortical difusa, a presença de grande número de placas senis e novelos neurofibrilares, degenerações grânulo-vacuolares e perda neuronal.

Verifica-se ainda um acúmulo da proteína b-amilóide nas placas senis e da microtubulina tau nos novelos neurofibrilares. Acredita-se que a concentração das placas senis esteja correlacionada ao grau de demência nos afetados.

Cerca de um terço dos casos de DA apresentam familiaridade e comportam-se de acordo com um padrão de herança monogênica autossômica dominante, aquela em que o afetado é heterozigoto para o gene dominante mutado (Aa), uma vez que o gene A é bastante raro na população e quase nunca serão encontrados afetados com o genótipo AA.

Os afetados (Aa) têm 50% de chance de ter filhos (Aa) também afetados pela doença. A doença aparece em todas as gerações e homens e mulheres são igualmente afetados.

Uma intrigante associação entre a Doença de Alzheimer e a síndrome de Down levou à descoberta do primeiro gene da DA no cromossomo 21, que é o cromossomo extra, envolvido na síndrome de Down. Indivíduos com síndrome de Down apresentam envelhecimento prematuro e praticamente todos apresentam doença de Alzheimer, clínica e neuropatologicamente confirmada, entre 40 e 50 anos de idade.

Algumas condições podem apresentar-se de maneira similar à síndrome demencial e precisam ser consideradas durante a avaliação. Elas incluem delirium, depressão, síndromes amnésicas, afasia e envelhecimento normal.

Além disso, acredita-se que alguns medicamentos, como os inibidores de colinesterase (donepezila, rivastigmina, galantamina) e a memantina, retardam a progressão da doença de Alzheimer.

Tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde

  • Inibidores da acetilcolinesterase (donepezila, galantamina, rivastigmina): indicada se:
    • Dianóstico de DA provável;
    • MiniMental (MEEM) com escore entre 12 e 24 para indivíduos com mais de 4 anos de escolaridade ou entre 8 e 21 para indivíduos com mais de 4 anos de escolaridade;
    • Escala CDR=1 ou 2 (demência leve ou moderada)
    • TC ou RNM do encéfalo e exames laboratoriais que afastem outras doençãs frequentes nos idosos que possam provocar disfunção cognitiva.
  • Memantina combinada com inibidores da acetilcolinesterase:
    • Diagnóstico de DA provável;
    • TC ou RM do encéfalo e exames laboratoriais que afastem outras doenças frequentes nos idosos que possam provocar disfunção cognitiva;
    • Escore na escala CDR = 2 (demência moderada);
    • Escores no MiniMental (MEEM) entre 12 e 19 se exolaridade maior que 4 anos, ou 8 e 15, se escolaridade menor ou igual a 4 anos.
  • Memantina isolada: todos os critérios abaixo
    • Diagnóstico provável de DA;
    • TC ou RM do encéfalo e exames laboratoriais que afastem outras doenças frequentes nos idosos que possam provocar disfunção cognitiva;
    • Escore na escala CDR=3 (demência grave)
    • MEEM com escore entre 5 e 11, para escolaridade maior que 4 anos, ou entre 3 e 7, quando escolaridade menor ou igual a 4 anos.

Em relação a medidas não medicamentosas, o exercício físico de qualquer modalidade demonstrou efeito benéfico sobre a condição de pacientes com demência.

Os benefícios esperados com o tratamento são redução na velocidade de progressão da doença e melhora da memória e da atenção.

Até o momento não há evidências cientícas que apontem métodos de prevenção para evolução das demências.

Minha orientação pessoal é que realizem a avaliação neuropsicológica com intervalos entre 2 a 5 anos após os 50 anos de idade ou antes se notar alterações de memória ou perda de habilidades cognitivas.

Fontes:

  1. Doença de Alzheimer — Ministério da Saúde. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/pcdt/d/doenca-de-alzheimer/view>. Acesso em: 9 fev. 2025.
  2. BMJ BEST PracticeAvaliação de demência. BMJ Publishing Group Ltd 2021.

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