Quando vemos um homem que sofreu lesão medular, seja por mergulho em aguas rasas, acidentes de trânsito, doenças degenerativas, sequelas neurológicas de câncer ou acidentes em geral logo imaginamos que a vida sexual daquela pessoa não existe mais e que assim como os músculos das pernas e das regiões afetadas pela falta de comunicação nervosa o pênis também está atrofiado ou atrofiando. Contudo esse é um engano terrível, visto que a sexualidade depende do sistema nervoso autônomo, ou seja, os neurônios motores afetam a mobilidade dos músculos, mas não os corpos cavernosos e esponjosos do pênis. Além disso, o maior órgão sexual do corpo humano é o cérebro, e se esse se mantém ativo sexualmente o desejo, o prazer, o orgasmo e até a ejaculação se mantém, consequentemente.

Entretanto, disfunções sexuais são comuns entre pessoas com lesão de medula espinhal.  Para a ereção peniana é crucial a integridade do componente sacral do sistema nervoso autônomo parassimpático, situado entre as vertebras S2 e S4. Então, como lidar com essas disfunções sexuais? Homens cadeirantes estão fadados a abafar sua vida sexual?

Ereção peniana após lesão medular

No post que falamos sobre o mecanismo de ereção/excitação masculina, descrevemos os 3 (três) tipos de excitação: psicogênica, reflexogênica e noturna.

A excitação psicogênica derivada a estimulação dos 5 (cinco) sentidos (Visão, Audição, Olfato, Paladar, Tato) ou por fantasias sexuais que enviam impulsos através da medula espinhal modulando os centros de ereção de T11 a L2 (entre 11ª vertebra torácica e 2ª vertebra lombar) e S2 a S4 (entre 2ª vértebra sacral e a 4ª vértebra sacral).

Centros espinhais da ereção peniana

Quando o centro S2-S4 é inacessível após lesão sacral, o T11-L2 (centro toracolombar) torna-se  dominante na via de transmissão de sinais psicogênicos de ereção.

Ereções psicogênicas em homens com lesões lombosacrais são frequentemente de pior qualidade, ou seja, os estímulos sensoriais (visão, audição, tato, olfato, gustativo e imaginativo) não atingem os nervos espinhas de forma completa, não promovendo a ação esperada, que é a vasodilatação dos vasos sanguíneos dos corpos cavernosos e a efetiva ereção peniana. Essas ereções (provenientes do sistema sensorial) resultam da inibição da tônus ​​simpático tônico e/ou do relaxamento das cavidades sinusoidais dos corpos cavernosos, ou seja, apenas diminuem a contração dos vasos sangíneos dos corpos cavernosos, mas não produzem uma verdadeira vasodilatação e rigidez peniana (vulgarmente chamada de ereção “meia bomba”).

Mecanismo de ereção peniana

A excitação genital reflexogênica é produzida pela estimulação tátil dos genitais, resultando em estímulo aferente (em direção ao cérebro) através da medula espinhal; alguns desses “sinais” seguem o trato ascendente causando percepção sensorial (percepção cerebral do toque) e outros “sinais” ativam o núcleo autonômico S2-S4 resultando na ativação das terminações nervosas nos corpos cavernosos com consequente relaxamento da musculatura lisa e vasodilatação com ereção peniana.

Nas lesões completas da medula espinhal acima de T10 os impulsos não alcançam o centro de excitação psicogênico toracolombar (T11 -L2) e também não alcançam o cérebro (pela via ascendente), não causando percepção sensorial. Nesses casos, a excitação reflexogênica é a dominante; quer dizer que após lesão medular completa, acima do centro medular lombossacral (geralmente acima de T10), a excitação reflexógena é preservada, enquanto a excitação psicogênica não (devido à lesão interromper as vias do cérebro para o segmento espinhal T10-L2, o nível responsável pela excitação psicogênica).

Inversamente, lesões completas que interrompem as vias reflexógenas sacrais (S2 a S4) resultarão na dependência da excitação psicogênica para promover a excitação genital. Contudo, homens com lesão medular sacral que dependem da excitação psicogênica podem induzir a ativação das vias simpáticas através da excitação mental e a ativação dessas vias simpáticas pode desencadear ejaculação involuntária e detumescência peniana (literalmente ejacular sem ereção).

Embora mais de três quartos dos homens com lesão medular possam obter uma ereção, a firmeza e a confiabilidade em situações sexuais podem ser um problema, necessitando do uso de medicamentos para melhorar a ereção em alguns casos.

Os neurônios parassimpáticos sacrais são importante na preservação da ereção reflexa. Além disso, quanto mais cranial (mais alta) for a lesão da medula espinhal, mais sensível a resposta reflexogênica pois os reflexos sacrais ficam livres do controle cerebral pelas vias descendentes.

Mecanismo de ereção peniana e ejaculação  masculina

Sexualidade masculina após Lesão Medular

Os graus de disfunção sexual variam significativamente entre os indivíduos com lesão de medula espinhal, dependendo do nível e a severidade da lesão.

Resumindo, após lesão da medula espinhal completa acima do centro lombosacral (geralmente acima de T10) a excitação reflexogênica é preservada enquanto a excitação psicogênica não. Por outro lado, lesões completas interrompendo a via reflexogênica sacral (S2 a S4) resulta na dependência da excitação psicogênica para promover a excitação genital.

Homens com níveis variados e incompletos de lesão medular experimentarão capacidades variadas para utilizar as vias excitatórias psicogênicas ou reflexogênicas.

Além dos problemas com a ereção, a disfunção ejaculatória (principalmente anejaculação – ausência de ejaculação) está presente em mais de 90% dos homens com lesão medular, causando grande preocupação em relação a fertilidade.

A ejaculação natural é mais provável de ocorrer em homens com lesões medulares “conus medullaris” ou seja, lesão no cone medular, que interrompe a comunicação com a cauda equina, de maneira incompleta. É menos provável uma ejaculação natural em homens com lesões supraconais (acima do cone medular) completas. Apesar disso, a ejaculação assistida por vibroestimulação é eficaz em lesões supraconais completas (acima da cauda equina).

Lesão do cone medular e cauda equina e a ejaculação masculina

Após a lesão medular, o orgasmo é alcançável em 40% a 45% dos homens (na maioria das vezes com ejaculação, mas nem sempre). A falta de sensação genital, e especialmente a lesão do neurônio motor inferior que afeta os segmentos sacrais, torna significativamente menos provável que uma pessoa alcance um orgasmo desencadeado genitalmente.

Embora a satisfação sexual após a lesão se mantenha, mas seja menor após a lesão, a intimidade continua sendo um problema importante de qualidade de vida para a maioria das pessoas que vivem com lesão medular.

Pessoas com lesão medular são primeiro pessoas e em segundo lugar pessoas com lesão medular.

Além dos problemas derivados das perdas físicas propriamente ditas, pessoas com lesão medular precisam incorporal uma nova imagem corporal além de estarem abertas a uma nova vida sexual, para isso é necessário motivação e persistência.

Do ponto de vista fisiológico, a sexualidade pode continuar a expandir-se e promover satisfação a despeito das limitações promovidas pela lesão da medula espinhal.

Fonte: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5340504/

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